“Mapa Vegetal”
Carolina Calheiros

A fotossíntese é um processo fotoquímico que consiste na captura de energia luminosa pelos pigmentos fotossintéticos, presentes em plantas, e na sua transformação em energia química. Este processo, impercetível ao olhar, é responsável, direta ou indiretamente, por todas as formas de vida no mundo – transforma a luz do sol em toda a matéria viva.

No projeto ‘Mapa Vegetal’, a luz é inserida através da apropriação de diversos fatores biológicos ligados à fotossíntese, nomeadamente a capacidade das plantas em absorver e refletir os vários comprimentos de onda de luz – esta capacidade é mimetizada para o mundo artificial, usando o design como ferramenta, e a cerâmica como material mediador da experiência gerada.

Como?

A partir do resgate e adaptação de um método fotográfico histórico designado antotipia, a artista desenvolveu um processo de geração preservação de imagens sobre faiança. A cerâmica torna-se fotossensível, quando revestida por uma ‘emulsão fotográfica’ extraída de plantas, sendo que esta sensibilidade à luz provém de pigmentos fotossintéticos, presentes em folhas, flores ou vegetais. A cerâmica realiza depois o seu processo de ‘fotossíntese’, onde a capacidade alquímica do sol permite a tradução da energia de outra forma – criando imagens monocromáticas na superfície cerâmica através da impressão por contacto direto. O tempo de exposição das imagens depende da planta utilizada para produzir a emulsão e das condições meteorológicas existentes, podendo variar de minutos a semanas.

Esta forma de impressão produz imagens frágeis, difíceis de fixar, que estão em constante transformação – a luz que permite que elas sejam vistas irá também destruí-las ao longo do tempo. Esta constante absorção de luz por parte dos objetos cerâmicos possibilita a abertura para outro processo exploratório: durante o processo da fotossíntese, as plantas não absorvem a luz na sua totalidade, nem de forma igualitária – é possível mimetizar esta captura natural da luz usando filtros de iluminação coloridos, que bloqueiam ou transmitem apenas determinados comprimentos de onda de luz para as peças cerâmicas (transmissão seletiva). Cada cor de filtro influenciará a intensidade das cores das imagens, em diferentes percentagens, e, enquanto uns retardam o seu desvanecimento, outros irão acelerá-lo.

Durante o mês de setembro, a Catarina este nas Oficinas do Convento a desenvolver a primeira parte da sua Residência Artística, onde foi feita uma leitura mais sensível da cidade através da observação e recolha de plantas em floração no espaço público de Montemor-o-Novo. Esta recolha teve como intuito fazer um pequeno estudo acerca da potencialidade corante destas flores, resultando num mapa de pigmentos que age como uma espécie de cartografia do território.

Num segundo momento iniciaram-se os testes para a formalização de um objeto cerâmico que fará parte da ‘caixa laboratório’. Este kit proporcionará uma nova experiência dirigida e mediada, que permite ao utilizador uma forma de participação livre e inventiva, onde é proposta a impressão de imagens em cerâmica a partir de ‘inputs’ naturais, enfatizando a necessidade de um maior entendimento acerca das plantas, do sol, das nuvens, etc. Nesta fase foi sobretudo explorada a relação funcional e estética do objeto cerâmico com os filtros de iluminação coloridos – estes filtros expandem o campo de experimentação e conhecimento gerado, uma vez que tornam visível o efeito que os diferentes comprimentos de onda de luz têm sobre cada planta (cada filtro preservará a cor da imagem em diferentes ritmos). Nesta fase foram feitas experiências acerca do movimento aparente do sol ao longo de um dia, investigando o resultado produzido pelas sombras dos filtros nas peças, nas próprias imagens e no ambiente onde está inserido.

RESULTADOS

A exploração deste processo de geração e preservação de imagens sobre cerâmica culminou na apresentação de um produto que atua como um pequeno espaço laboratorial – a ‘caixalaboratório’. Este dispositivo contém uma peça cilíndrica em faiança (chacotada) com diversas ranhuras; pequenas amostras cerâmicas para testes; um conjunto de filtros (9 cores), que modelam e filtram a luz; um manual que fornece as informações e ferramentas básicas para a execução do processo e espaço para anotações/desenhos.

Além de acondicionar os objetos, a caixa inclui uma pequena câmara escura que permite ver a imagem exterior refletida e inver?da no seu interior, através de uma lente de fresnel. As ranhuras presentes na peça cerâmica permitem o enlaçar e/ou atravessar dos filtros, possibilitando diversas configurações visuais e a observação, ao longo do tempo, do efeito que os diferentes filtros têm sobre a cor da imagem (visível por meio de vários níveis de saturação da cor).

Este produto/kit potencia assim um conjunto de novas experiências, apelando a uma relação mais consciente e menos incipiente com a natureza e os seus sistemas. Permite uma experimentação livre do processo, sendo, no entanto, orientada, mediada e facilitada pelos objetos contidos na caixa – a sua utilização pode ser individual e independente, mas pode-se também posicionar num contexto de uso coletivo (em formato de oficinas, etc.). Em suma, é um dispositivo que atua como plataforma de comunicação, produzindo e transmitindo conhecimento, podendo inserir-se em práticas criativas, lúdicas e educativas, porém enfatizando sempre uma dimensão poética ligada ao uso dos objetos.

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Set 2023

OFICINAS DO CONVENTO

Vencedora da Bolsa de Criação para Residências Artísticas –
Design de Produto 2023